sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quases


                O “quase” é um desejo de causar ciúme. Querendo ser inteiro por orgulho e, ao mesmo tempo, ansiando ser vazio por pirraça. O quase é um gosto sem cor ou uma cor sem gosto, incompleta, mas que pode satisfazer aqueles menos exigentes, indecisos ou os indiferentes.
                O quase amor beira o desamor, mas tem a vontade de beijos intermináveis e é tão dolorido quanto o quase ódio que não é audacioso o suficiente para acontecer, a não ser no limiar das entranhas. Quase-querer-ser é não ser e ponto. Quase-querer-não-ser é estar na dúvida, titubeando, ponderando sobre a realização das expectativas que não estão nem ai para facilitar sua vida.
                Aposto que quem inventou o “quase” estava grávido em alma e, dessa forma, inconstante. No sexo, o quase é prejuízo prazeroso enquanto na morte o quase é um gozo doloroso.
                O “quase” nunca está no meio, ele sempre pesa para um lado. Mas qual o lado que ele vai pesar é uma variável, já que depende do dia. Estando sol, ele paira para um lado, chovendo para o outro. É uma questão de estática que só se pode entender estando na dúvida.
                Não há ambiguidade: o “quase” leva tranquilidade para o locutor e desequilíbrio para o interlocutor, que, sem saber o que esperar, desiste da certeza e escolhe o que mais lhe convém. Uma questão de liberdade oculta, um “você escolhe no que acreditar” dito indiretamente para não demonstrar a camaradagem entre os falantes. O quase sempre se realiza nunca e nunca se realiza sempre.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Imperialismo


É interessante pensar que não precisava ser assim. A necessidade de dominar se sobrepujou ao dito intercâmbio de saberes que deveria acontecer com tamanho choque de culturas. Foi assim com o reconhecimento do Brasil pelos portugueses. Digo reconhecimento pois os nativos já aqui haviam chegado e, inclusive, eram os donos por direitos de cada pedaço de terra delimitado pelas fronteiras brasileiras. Não foi o que aconteceu.
                Quando uma caravela adentrou em mares brasileiros, logo disseram “Terra à vista!”. Mais tarde descobriram que não só terra estava à vista, mas também um povo estava diante dos olhos europeus. Povo esse que foi sufocado pelo brilho das armas e panos das roupas europeias que até então faziam parte do desconhecido para os detentores da mata. Sua mata foi explorada, sua cultura erradicada, seus bens tomados, sem razão e de maneira absolutamente injusta.
                Os portugueses diziam que a cultura indígena é inferior. Como se pode dizer que um povo que sobrevive em harmonia com a natureza e não a destrói é inferior? Como dizer que um povo que sobreviveu sem quaisquer ajuda da mais remota que fosse tecnologia merece ser minimizado? Os donos da terra sofreram com o egocentrismo equivocado europeu.
                Até os dias de hoje, o imperialismo rege a sociedade e sempre uma cultura sofre pressão de outra. Só queria pensar que seria diferente e os índios tivessem permanecido em seu lugar. Hoje estaríamos vestindo roupas diferentes, falando línguas diferentes e tendo um orgulho inédito de ser brasileiro.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

voláteis e volúveis

Distância, tempo, palavras, ações, . Tudo isso são estradas, estradas com uma enormidade de tamanho, que estão sempre migrando, sem lugar fixo. Quando você menos espera, uma dessas estradas se prostra exatamente entre você e mais alguém e pronto! É o suficiente para essa pessoa virar uma lembrança, uma memória, um passado até. Sua missão de vida: impedir ao máximo que estas estradas se formem na sua frente pois uma vez que elas surgem, é difícil arrancá-las. Abraços, sorrisos e tardes ensolaradas, um olhar que mostre confiança são o remédio mais preciso que se pode arrumar.

As pessoas são voláteis e volúveis, para impedir que elas se vão e virem nuvem, é preciso guardá-las num frasco. Um frasco vermelho, que pulsa ritmadamente, um fraco que contém e leva a vida.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Papel ouvinte

                Decidi que eu falo demais, e isso, não é de tudo, bom. Não falo na verdade para as outras pessoas ouvirem, falo mais para eu ouvir minha voz no ar, deslizando sobre as partículas, como se, quando proferidas elas se tornem finalmente reais.
                Quando falo, tenho a impressão de que é a consumação de que tal coisa de verdade aconteceu. Que realmente eu realmente vivi tais aventuras, que eu realmente senti tais sentimentos, e eu realmente estava lá, e adivinhe só! ISSO ACONTECEU.
                Se a vida fosse um baú, ninguém precisaria contar nada. Todas as experiências seriam guardadas para aqueles que as protagonizaram, e eu imagino, o quão sem cor seria o mundo, seria amarelado, com aspecto de mofado e guardado, assim como as memórias. Mas não! Quando vivemos descobrimos que a vida é colorida, e merece ser contada. Narrada. Narrada para tornar tudo real.
                Mas, mesmo tendo todas essas certezas eu não posso sair por ai, contando todas as minhas experiências para quem estiver de ouvido atento ouvir. Infelizmente, algumas pessoas não podem, querem ou merecem serem ouvintes de nossas vidas. Mas, um pedaço de papel sempre está disposto a ser seu interlocutor.
                Então, eu tenho propriedade para falar, que quando no papel, as palavras são gritadas e vividas e o enredo que estamos desenvolvendo se torna finalmente real, sem dúvidas real, simplesmente real.

terça-feira, 31 de maio de 2011

O título que vai ser superado em breve

Eu realmente não ligo. Se as minhas opiniões são ignoradas, ou minhas vontades nunca atendidas. Afinal, deve acontecer com todo mundo: você pensa que seu potencial começa a ser explorado, que as pessoas começaram a perceber que você quer e pode ser útil para alguma coisa. Então você é escolhido. Ah! Sente-se tão bem e valorizada. Incrível. Estar sendo útil  para alguma coisa.

Mas então não era isso, tem sempre alguém melhor do que você, em tudo. E temos que tentar nos superar? Porque? Se sempre vai vir alguém  e tomar seu lugar. Grande sentido !
Não me interesso mais em ser boa, em ser melhor ou nem mesmo em existir mais do que fisicamente.

sábado, 16 de abril de 2011

Repressão

Domingo três da tarde, Rua Magalhães- 305        13/09/1890.
Lá estava ela na janela, afinal, eram três da tarde e todos os dias às três da tarde ela tinha um encontro secreto com ele. Ela se aprumou toda, colocou o melhor vestido do armário. Pegou um pouco do perfume da mãe e espirrou no pescoço e nos pulsos. Passou uma mão de esmalte nos dez dedos com perfeição. Abriu a gaveta e pegou o papel que tinha feito com tanto carinho na noite anterior.
Conferiu o papel e decidiu que estava bom. Abriu vagarosamente a janela, antes, claro, olhando para a porta fechada de seu quarto, para ter certeza que sua mãe não veria sua fuga. Ela olhou pelo vidro fosco da janela, e viu a sombra indistinta dele lá em baixo, próximo ao salgueiro. Sua respiração parou , como sempre acontece quando ela faz algo que não devia estar fazendo.
Ela sabia que seu pai jamais autorizaria seus encontros com ele. Pois ele a faria ter novas opiniões, opiniões essas que convergiriam com as ideias de seu pai. Coisa que ele nunca aceitaria.
Ela respirou fundo, e saiu. Primeiro uma perna, depois a outra. Agarrou-se na árvore e foi escorregando até sentir a grama sob seus pés. Quando ela alcançou o solo, cruzou o olhar com o dele.  Ela sorriu, genuinamente feliz por encontra-lo finalmente. E disse:
                - Olá professor , eu fiz o trabalho de casa- disse ela entregando-o o papel que o pegou na gaveta.

sábado, 12 de março de 2011

Lentes de contato

Ser médico sempre fora motivo de orgulho. Para ele tratava-se de algo ainda maior: ele viera família humilde, do interior do estado. Ele, que conclui a faculdade com muito esforço, tinha um prazer ainda maior. Não por ser médico. Mas por ter conseguido se tornar um apesar das dificuldades. Ele era recém-formado  Apesar dos quarenta e poucos anos o darem um ar mais experiente. Ele estava estacionando seu Corcel na micro garagem de seu consultório. Ele não se queixava do consultório, afinal, seu tio Tenório tinha sido muito agradável ao lhe dar a casa que antes era sua oficina. Mas que a verdade seja dita: era um lugarzinho bem medíocre. Para quem aspirava trabalhar em um hospital no centro, era algo deplorável. Ele bateu a porta do carro e colocou seus óculos rapidamente para abrir a fechadura da porta principal. Seus óculos fundo de garrafa o faziam se sentir ridicularizado diante do povo. Ele  só os usava em situações extremas. Finalmente hoje ele tinha retirado suas lentes de contato na ótica do Lofredo. Era um dos poucos do bairro que já tinha lentes de contato. Sua vontade era agorinha mesmo ir ao jornal estampar nas capas que comprou uma lente de contato. Algo tão, raro, caro, nobre.
Quando ele abriu a porta, viu sua secretária virar a esquina na rua. Ela era uma mulher que já se mostrara confiável, apesar dos poucos dias de trabalho. Ele a esperou com cavalheirismo e ambos entraram juntos no pequeno consultório médico.
- Dia doutor!
- Bom dia, Suzana! Ótimo dia, advinha! Acabei de passar no Lofredo e peguei minhas lentes de contato. Adeus garrafão! - garrafão era como ele era apelidado pelos meninos maldosos da rua quando o viam com os óculos velhos.
- Que bom doutor!
Eles entraram. Enquanto Suzana organizava o pequeno balcão dedicado à secretária, o doutor foi ao banheiro experimentar suas novas lentes. Finalmente poderia trabalhar com mais classe!
Suzana ainda arrumava todos os blocos empilhados no lugar que eles tinham que estar quando o doutor a chamou desesperadamente do banheiro:
-SUZANA! SUZANA CORRE AQUI SUZANA!
Suzana largou os papéis e foi correndo acudir o médico no banheiro.
- Suzana que catástrofe, Suzana! Perdi minhas lentes! PERDI MINHAS TÃO ESPERADAS LENTES SUZANA! Ajude-me a procurar! Vá, vá!
Suzana e o médico agacharam que nem galinhas no chão ciscando milho, o doutor choramingando pelas lentes perdidas, pelo valor pago a prestação, pela vergonha que voltaria a passar com o garrafão.
Até que o primeiro cliente chegou o trabalho teve que ser parado:
- Ah doutor! A gente deve de ter pisado... O negócio é tão pequeno, parece um toucinho transparente! Não sei como isso pode mesmo ajudar na visão das pessoas. Eu hein!
O médico saiu do banheiro desolado. Atendeu o cliente desolado, passou o dia desolado. Suas primeiras lentes de contado haviam se perdido no banheiro. Que sorte ruim essa!
No meio do expediente ele teve que ir ao banheiro. Não que ele estivesse com esperanças de encontrar a lente. Apenas necessidades fisiológicas mesmo.
Foi uma lástima chegar ao banheiro e ter que tirar o garrafão para se ver no espelho. Quando o doutor olhou no espelho, seu peito inflou:
- SUZANA! SUZANA! VEM SUZANA VEM!
Suzana pensou que o doutor dessa vez tivesse com problemas com a descarga, porque aquela descarga nunca ia de primeira mesmo, tinha que ir uma mulher feito Suzana, com uma força bruta pra puxar a cordinha.
Ela foi e ao chegar no banheiro lá estava o doutor sorrindo apontando pra uma sujeirinha mínima no espelho:
- Achei Suzana! Eu tapado, cego! Ao invés de por as lentes em mim, coloquei no meu reflexo! AH SUZANA, ACHEI!
E lá estava a lente pregada no espelho na altura dos olhos do médico servindo de lente de aumento pro reflexo dele.
E o doutor então trabalhou satisfeito com suas lentes de contado no devido lugar.

terça-feira, 8 de março de 2011

A história dos malandros

Ele era pirata. Mas isso não era nada muito espetacular, naquela época, todo homem era pirata. Como qualquer pirata ele não era confiável. Porque, como os piratas diziam, ''pirata que é confiável, não é pirata que se preze''. Ia aos bailes da cidade para dançar com as moças bonitas e atraentes e roubar-lhes as suas pérolas de brincos e cordões; depois elas passavam pelo mercado dos roubados e contrabandeados e viam suas jóias em exposição, e pensavam que '' por descuido perdera'', pois a astúcia do pirata não permitia que ninguém visse seus furtos, perfeitamente disfarçados. O pirata ficava cada vez mais rico, vendendo as jóias roubadas das belas moças. Todo o dinheiro que ele ganhava, guardava para comprar peças do seu barco. Não que ele tivesse um barco. Não AINDA! Todo pirata tem que ter um barco, e ele nunca sequer tinha saído para o mar. Com o dinheiro que ele juntava, comprava peças de madeira para formar o mais amedrontador e majestoso barco de pirata que se já tem notícia. Já tinha quase toda a proa formada.
Um dia desses ele encontrou a pedra mais bonita que já vira na vida, amarela, reluzente, envolta numa caixinha de prata, pendurada numa corrente de bronze. Estava bem-guardada no pescoço de uma bela e jovem dama, entre seu decote e debaixo do seu queixo erguido e decidido. Ele decidiu que precisava tê-la. Aquela pedra valia quantia o suficiente para acabar seu barco e ainda comprar sua vela de pano denso para fazê-lo flutuar sobre as ondas dos sete mares.
Ele então tentou : tirou-a para dançar, cortejou-a, até beijou-a um beijo frio de olhos abertos e focados na pedra. Então com um gesto ágil que para a moça tratava-se de um simples e bondoso carinho na nuca, ele roubou-lhe o cordão. Ela nem sequer notou, distraída pelo falso cavalheirismo do pirata ator.
Aquela noite ele dormiu tranquilo e satisfeito, sabia que a pedra valeria uma nota no mercado dos roubados, e dito e feito. Pela manhã ele já estava com todo o dinheiro na mão. Como pensara, o suficiente para acabar seu barco. E assim foi feito. Todo o material foi comprado e o barco terminado em apenas duas semanas. Ele então saiu pela rua a desfilar seu modelo. Com uma vela de tecido refinado e pintura modernista de uma caveira (típica dos piratas), madeira de grande porte, macia e cheirando a floresta ainda. Parou no primeiro bar que ele viu para gabar-se de seu barco digno de piratas.
- Ei, Gil! Eu acabei de construir o meu barco! - e mostrou orgulhoso o seu resultado de meses de esforço.
- Hum... Está bonito Patrício, mas é do tamanho do meu antebraço, é apenas um modelo.
O pirata Patrício olhou para seu trabalho e se deu conta de que era verdade. Na verdade que ''não'' era verdade. Seu barco de pirata que desbravaria os sete mares, era apenas um mísero brinquedo.
Ele então decidiu desistir de ser pirata, um pirata só era um pirata quando tinha um barco e navegava por todo o mundo, enquanto ele, jamais tinha estado no mar.
Mas a vida de roubos e vendas continuou. A fama de conquistador aumentou. O mulherengo vigarista ainda tinha características de um pirata, mas um pirata terrestre.
Mais tarde foi dado um nome específico à esse tipo: malandros

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Significância númerica de pequeno porte.

Lá estava ela, com os olhos já vermelhos e marejados de lágrimas de tanto olhar pra tela do computador sem nem mesmo piscar. Atualizando a página sem parar. Cada clique era uma esperança renovada. Cada clique um desespero. Qualquer um que olhasse a julgaria louca, mas dentro dela ela sabia o significado que aquilo tinha, e olhares enviesados não a fariam parar.
998.
999.
Ela olhava os números passando ora lentamente ora rapidamente, sabia que em algum lugar do mundo um indivíduo seria o responsável por abrir a sua câmara de euforia. Novamente ela atualizou a página.
OH MEU DEUS. Lá estava ele, reluzente. O visitante número 1000 de seu blog.
Seu rosto antes rígido, relaxou e foi tomado por um enorme sorriso de satisfação.
Tanto tempo em 999, agora em 1000. Ela riu ao perceber que nesse momento passou para 1002.


Um visitante. Um número. Ela foi para escola primária onde trabalhava cheia de contentamento. Ao chegar perguntou as crianças, para elas, qual era o número mais significativo que existia.
Todos os rostos pequenos se enrugaram para se concentrar e pensar no maior número que conheciam. Uma menina esperta de mil. Um menino disse três trilhões. Todos o olharam espantado, aquele número era indecifrável para essas pequenas crianças. Para elas esse era o maior número do mundo. A professora foi para casa, pensando na resposta das crianças e riu consigo.
Para ela o número de maior expressão era o 1. O número um. O que dizer da diferença que um minuto de acréssimo faz em um jogo de futebol. Ou um segundo de diferença entre o vencedor e os perdedores faz em uma competição de natação. O número que mais muda vidas é o um.
Quando temos muitos, eles se misturam, se fundem e simplesmente se apagam. Quando temos apenas um, ele reluz, é o centro o mais importante, a esperança.

Até o número 999 ela tinha estado tensa a esperar por apenas mais um número. Apenas um. Como se esperar trezentos números não fosse de grande importancia. Os números em contexto são muito fracos, como se facilmente pudessemos alcansá-los. O número um sozinho, fica grandioso, e intimidador. Se torna o número mais significativo que existe.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Escritores

A campainha tocou me tirando do castelo maravilhoso que eu estava. Bem na hora que o mocinho chegaria e livraria a mocinha do sequestrador. Bem, como eu não tinha mesmo escolha, fui atender a porta.
- Quem seria?
- Censo!
Claro estava na época do censo e é comum que o agente do IBGE bata à nossa porta para fazer perguntas torcendo que nós tenhamos o bom-senso de responder verdadeiramente.
Abri a porta.
- Ah oi.
- Poderia fazer algumas perguntas a senhora?
Pensei na mocinha que continuava nas garras do sequestrador e não sairia de lá até que eu fosse salvá-la. Mas também passou pela minha cabeça que nós temos que fazer o que pudermos para ajudar nosso país a continuar crescendo então disse ao moço gordo, com macacão azul marinho desbotado, segurando um computador de mão para que fizesse as perguntas
- Nome?
- Elena Dias Conceição.
- Idade?
- 42 anos - muito bem escondidos atrás de tratamentos de pele que custavam uma fortuna mas ele não precisava saber disso.
- Profissão?
- Sou escritora.
Com isso eu atraí a atenção dele.
- Hum, que legal, minha filha é bibliotecária. A mais velha porque a mais nova está terminando seus estudos e a do meio está prestando vestibular, mas não se decidiu ainda, vê se pode... Então- ele deu uma olhada no meu nome- não conheço nenhum livro seu...senhora Elena...
- Na verdade nunca publiquei nenhum...
- E como a senhora pode se dizer escritora?


O resto da história vai ser uma narrativa sem falas, se não se importam.


Está no dicionário:
escritor: Autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo, à forma que emprega).
Em nenhum momento diz que escritor precisa publicar algo para virar escritor. Como uma taxa que se tenha que pagar para mudar de estrada. 
Escritor é aquele que escreve. Aquele que se doa para uma história e aquele que faz ela acontecer. O escritor é responsável por muitas vidas inventadas e cuida delas com o carinho que se cuida de uma criança, tomando conta para que ela evolua e seja bem aceita. Para que ela cresça, amadureça e dê bons frutos. O escritor é um ser que vive inúmeras vidas, que PODE viver inúmeras vidas. E é ele que dita o rumo destas, com rabiscar de lápis muda o sentido de toda uma civilização que só vive enquanto o livro está aberto. 
Publicar uma obra é consequência, antes disto, tem que escrever, e já nesta fase, torna-se um escritor. 


Bruna, muito prazer, escritora.  

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

romance

- Ana Gabriella, eu estou ultra apaixonado por você. Não importa o que você diga ou pense, nada vai mudar! Mas infelizmente não importa também o que eu diga ou pense, seu amor por sua família se mostra inexorável. E você estando comigo, seria como se os tivesse traindo.

Se eu tivesse narrando em primeira pessoa seria mais ou menos assim:  minha boca secou como se toda a umidade do mundo tivesse acabado. Tudo o que eu quis ouvir desde sempre foi dito de forma tão rude. Mas nem a sutileza faria o que foi dito ser ainda mais perfeito e a parte do ''ultra apaixonado por você'' martelou na minha cabeça tantas vezes quando foi possível ouvir. Depois as palavras ficaram de um jeito disforme como acontece quando são ditas muitas vezes.  Depois as palavras foram voando, planando na minha mente, até que não era mais possível ouvi-las. Mas era perfeitamente possível senti-las. Como uma cosquinha que me faziam querer rir. E sorrir. Então eu sorri, e foi como se eu fosse sorrir pra sempre. Afinal, agora minha mente bloqueava todos os motivos para não sorrir. Como se o sorriso fosse uma grande ilha, que deixasse as palavras presas para elas não pudessem mais sair e ficarem lá, só me lembrando qe realmente aconteceu. As palavras que ele disse estavam grudadas no meu sorriso.


Mas como eu não estava narrando em primeira pessoa apenas:


E ela disse:
- Eu te amo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O encontro do português com a matemática

As pessoas se dividem em dois grupos: As que gostam de português e as que preferem matemática.
As que gostam de português são mais leves, gostam de fantasiar as histórias, e se for a própria história então, melhor ainda. Elas nunca estão perfeitamente conectadas e são facilmente apaixonáveis. Olham o lado abstrato da coisa e aquele detalhe que ninguém percebe, são elas que reparam. São romancistas natas e seguem sempre a segunda opção.
As que gostam de matemática são diretas, concentradas. Tem uma percepção curta mas um raciocínio abrangente. Preferem as coisas palpáveis àquelas subjetivas e tem os pés absolutamente presos no chão. Porém são menos sentimentalistas e com isso conseguem um controle maior da situação. Controle esse que as pessoas que gostam de português não fazem questão.
 Afinal, pra que serve ter controle quando esse controle é dividido entre outras pessoas. Controlar, o ar que está em sua volta, sabendo que a partir do momento que ele está a volta do outro ele já não está mais sujeito aos seus domínios é valido?
Falando agora em cores e cenários, eu vejo as pessoas do português ( tudo bem pra vocês se eu chamá-las assim?) num tom entre o amarelo o vermelho e o alaranjado, com bastante sol de fim de tarde, aquele sol redondo e tostante.
As pessoas da matemática vejo rodeadas de azuis. Azul acinzentado, azul profundo, azul anil. Em um mar, um mar cristalino, transparente, sendo banhadas pelos primeiros raios de sol do dia. Aquele sol leve, quase frio.
Imagine então que duas pessoas vão à um encontro. A mulher amante da matemática. O homem admirador do português. Depois do jantar eles vão para suas respectivas casas e são interrogados pelos amigos:
- E então, como foi, querida?
- Foi ótimo.
- Conta mais. Ele é cavalheiro?
- Sim. Abriu a porta do carro para mim, afastou a cadeira para eu sentar e fez questão de pagar a conta.
- Como ele estava vestido?
- Camisa social azul cinza de riscas de giz, calça preta e sapatos pretos.
- O que vocês pediram?
- Yakisoba com molho adicional, biscoitos e rolinho primavera. Terceiro item da página três do cardápio.
- Você está apaixonada?
- Não poderia estar mais.

- E então, como foi, cara?
- Foi esplêndido, muito melhor do que eu imaginava. E pensar que eu já sabia que seria muito bom. Como não ser não é? Superar minhas expectativas foi o que ela mais fez, e em todos os aspectos. Ela abrilhantou minha noite.
- Fala mais! Você foi cavalheiro?
- É o que eu realmente espero ter sido. Afinal, olhei nos seus olhos por todos os minutos. Impossível não olhar! Aqueles olhos penetrantes e negros como a mais calada noite requerem atenção. Também segurei sua mão. Mas isso não foi por puro desejo. Foi mais que isso. Foi necessidade, como não estar em contato com uma pele tão doce? Não via modo.
- Como ela estava vestida?
- Lindamente. E ela sabia disso. Seu corpo estava bem guardado em um vestido leve e de cores fortes. Combinava tanto com sua personalidade que eu acho que foi feito especialmente para ela. Aquele vestido a fazia cintilar.
- O que vocês pediram?
- Comida chinesa. Que estava uma delícia por sinal. Não me contive e elogiei o chefe, afinal, sua comida embalou minha noite.
- Você está apaixonado?
- Não poderia estar mais.

Perceberam a sutil diferença?
Mas acho que perceberam também que por mais diferente que sejam, quando se unem, viram um só.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Raios

 -RAIOS!

- O que disse mamãe lá embaixo?
- Raios!
- Raios o que?
- Foi o que ela disse, oras!
- Não sabia que estava a chover.
- E não está mesmo! Vai ver é na novela
- Está a chover na novela?
- Não!
- Então porque mamãe...
- Raios, pateta. De minha nossa, puxa vida!
-  Raios de que?
- Apenas esqueça, é a sua vez de jogar.
- Pois eu já joguei!
- Juro que não lhe vi mover uma peça sequer!
- Mas eu o fiz! Você que estava distraído a pensar no que mamãe disse.
- Porque você o perguntou.
- E eu não sei?! 
- Tanto é que você não jogou que o dado continua na mesma casa que eu deixei.
- Impressão sua! Joguei e pronto!
- Queres agora robar de mim no jogo? Sabe que sempre venço-te no tabuleiro!
- Ah! Agora estás a imaginar coisas... Sou eu quem sempre ganho e você fica choramingando.
- Não fico não!
-Fica sim!
- Mentira sua!

- Não acredito que Cleide desistiu de casar justo no último capítulo!
- Novela é uma coisa muito da falsa Querida... Não devia gastar tempo com isso. Agora deixa eu ouvir meu jogo
- Não mais falsa do que esporte!
- Pois o que o esporte tem de falso Cleide?
- AH, até parece que você é recém nacido e não sabe que isso tudo é programado!
- Que programado o que Cleide! O esporte é límpido, claro!
- Se você quiser pensar assim...
- Sim!
-Então pense!
- ORAS!

- Que foi que o papai disse lá em baixo?
- Oras!
- Faltam dez para as oito.
- Não quero saber as horas.
- Então porque perguntou?
- Não perguntei! Foi o papai !
- Papai quer saber as horas?
- Não. Ele apenas disse oras!
- Então porque...
- Oras! Oras de minha nossa, puxa vida! Esqueça apenas jogue!
- É sua vez. Eu já joguei.
- Não acho que você tenha jogado...

a máquina de lavar

''Oh,'' a mãe se lamentava '' porque eu deixei-a ir tão rápido? Sem nem contestar?'' Eram os costumes, ela pensava. Afinal, estava certo, as moças que saiam muito tarde da casa da mãe para casar, eram consideradas desqualificadas. Um arrepio percorria sua espinha ao pensar em sua filha como desqualificada. Oh, não, Marieta era cheia de dotes e por isso arrumou um marido tão apaixonado por ela. 
Mas não se pode negar a falta que ela faz naquela casa, Marieta é a mais velha e sempre serviu de espelho para suas irmãs. Sua bondade sem igual se equiparava à sua simpatia e devoção. 
Devoção. A quem quer que fosse, por isso ela fez tanto a vontade de seu marido ao acompanha-lo em sua mudança para o Egito.
E deixou toda a sua família para trás pela sua devoção a um marido que ela mal conhecia.
- Deixa dessa angústia mamãe! Marieta fez bem. O seu noivo é rico e bem sucedido. Além do mais... Que Deus me castigue se eu tiver olhando com olhos de cobiça para o noivo de minha irmã... Mas que homem, mamãe! Que homem ! - e Pedrina saia bailando pelas escadarias da casa.
Marieta lhes escrevia todas as quintas-feiras. Era quando o seu noivo tinha que viajar às Índias para trazer as iguarias com que ele trabalha. A carta só chegava aos sábados. E toda sexta-feira uma angústia pairava ao redor do quarto da mãe de Marieta. D. Lizaura, sempre desconfiava que um dia a notícia da separação antes mesmo do casamento chegaria e ai ela poderia dizer tudo o que sempre pensou do noivo de Marieta. '' Um traste que tirou sua filha mais velha de casa, para levá-la para sei lá onde!''
E mais um sábado amanheceu, esse desta vez, anuviado e com cara de terça. As terças sempre são anuviadas, não há o que contestar. 
- Carta de Marieta! - D. Lizaura tomou-a da mão de Pedrina antes mesmo que ela pudesse abrir. Mãe é mãe e sente quando alguma coisa está pra acontecer. 
A carta de Marieta era curta desta vez.

'' Queridas mãe e irmãs, 
Não posso escrever-lhes muito, pois ando por demais atarefada com os preparativos. Mamãe, se carta tivesse sentimento essa seria apenas sorrisos. O grande acontecimento está para chegar e eu finalmente vou ser esposa de Serafim. Minha alegria não cabe em mim e Deus é bom por me permitir dividi-la com ele. Espero que uma fração dela também passe ao coração de vocês! 
           Marieta''
As meninas, por terem mais instrução, leram a carta mais rápido e saíram pela rua cantarolando que finalmente teriam um cunhado. 
Quando D. Lizaura finalmente acabou de ler a carta, teve um espasmo. Levantou e sentou algumas vezes, e só depois é que permitiu que as lágrimas caíssem em seu rosto.
'' Oh. Como pude ser tão burra e cega? A dor de estar longe de uma filha me fez esquecer que ela poderia sim estar feliz. E nessa carta percebo toda o seu júbilo! Marieta vai se casar! MARIETA VAI SE CASAR!''
Ela foi ao centro com as filhas mais novas para comprar tecidos para seu vestido. Afinal, elas teriam que ser as mais lindas do casório, depois de Marieta é claro, ela sim, seria a rainha da noite!
- Quero algo alaranjado! Com rendas na barra e com a cintura marcada. 
- Eu quero um azul anil. Comprido e brilhante!
- Bom para vocês. o meu será de renda francesa com uma luva e um majestoso chapéu. 
Comprado todos os tecidos a mãe foi para casa trabalhar em sua máquina de costura até os vestidos estarem completos. Ela não percebeu, mas madrugou ali. Tudo com a promessa de se redimir para si mesma das más coisas que ela falou de Serafim. Afinal, ele estava realmente fazendo Marieta feliz e era só isso que importava. 
A semana virou e no sábado chegou outra carta de Marieta. Tão curta quanto a anterior. Mas igualmente alegre. 
'' Queridas irmãs e mãe, 
Aqui segue a lista de presentes. Os padrinhos já deram grande parte. Para vocês sobrou a máquina de lavar. 
Não vejo a hora mamãe! Não vejo a hora!!
      Marieta. ''
- Padrinhos?! Então ela já escolheu os padrinhos?
- E não NOS escolheu?
A mãe estava tão atordoada quanto as suas filhas. Mas a promessa que ela lhe fizera ainda estava valendo e tudo que tivesse ao seu alcance ela faria para deixar a filha ainda mais feliz. A escolha dos padrinhos e madrinhas e exclusivamente dos noivos e não era certo tampouco justo questionar uma coisa dessas num momento desses!

Passaram-se umas semanas e em nenhum sábado chegava o convite para o casamento. D. Lizaura resolveu agir e deixar a ansiedade de lado:
- Meninas vamos ao centro. Temos que comprar a mais bela máquina de lavar para Marieta. 
E foram.
Andando pelas lojas viram muitas ofertas, mas nenhuma superou a da Lojas Cardoso em beleza. 
- Ela é cara à beça, mamãe!
- Não me importo! Tenho uma dívida com sua irmã. Minha boca proferiu palavras rudes pelas suas costas e minha mente flutuou em más correntezas a respeito do seu marido. 
As meninas assentiram e voltaram para casa com a lavadora comprada. Chegando lá. Uma carta estava repousando na caixa de cartas.
'' Minhas amadas mãe e irmãs!
     O casamento foi impecável e inigualável! O mais bonito do Egito segundo os cerimonialistas. Estava tudo tão leve belo e branco que minhas lágrimas se confundiam com sorrisos. Imagine só a surpresa que Serafim me fez: quando disse o 'sim' caíram pétalas de rosas cor-de-chá sobre nós. Os convidados ficaram à beira de um choro convulsivo quando dançamos a valsa. Foi tudo tão lindo mamãe! Estou em lua de mel no Marrocos e minha alegria passa quase despercebida se comparada ao estado de Serafim. Ele está exultante!
    Marieta''

- Casou?
- Casou!
- Como pode ter casado?

A mãe subiu para sua sala de costura. Seu tamanco batia contra as tábuas do chão com tamanha força que faziam um barulho ensurdecedor. Chegou no pequeno quarto e se deparou com os vestidos majestosos nos cabides. Atirou-os para o chão, pisou, molhou-os por horas com suas lágrimas de angústia e de traição. Por fim, rasgou-os. Mas não muito. '' Marieta ainda tem que saber que isso é um vestido''  
- Meninas vou ao correio. Chame Alfredo para carregar a máquina de lavar para mim!
- Mamãe não acredito que ainda vai dar a máquina de lavar àquela que nos traiu e provocou tamanho desgosto em vós! 
- Faça o que eu mando! - D. Lizaura saiu pela porta com Alfredo em seus calcanhares carregando a majestosa máquina. 


Marieta e Serafim chegaram de viajem rindo e contando casos. A mulher nos braços do homem. O pensamento nem beirava a sua família. 
- Senhor Serafim, Dama Marieta. Chegou uma encomenda da América para vocês.
- É possível que seja minhas iguarias ou algum novo tipo de conservação para tais. 
- Perdão senhor. Mas na verdade, estão destinadas à Dama Marieta. 
- À mim? Da América? 
- Precisamente Dama. 
- Só pode ser de tua família Marieta. 
- Oh, mais é claro ! Como não?! Deixe-me abrir. 
Marieta se ajoelhou no chão e abriu a caixa dos correios, a máquina de lavar estava fora de sua caixa original. 
- Olhe marido! Que coisa graciosa minha mãe e irmãs mandaram. 
- É realmente muito bela Marieta...
- Olhe dentro! Tem uma... Uma coisa.. 
Marieta pegou os panos de dentro da máquina e traduziu-os:
 Um vestido alaranjado com renda na borda e cintura marcada. Um azul anil comprido e brilhante. Um de renda francesa com luvas e um majestoso chapéu.