terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Significância númerica de pequeno porte.

Lá estava ela, com os olhos já vermelhos e marejados de lágrimas de tanto olhar pra tela do computador sem nem mesmo piscar. Atualizando a página sem parar. Cada clique era uma esperança renovada. Cada clique um desespero. Qualquer um que olhasse a julgaria louca, mas dentro dela ela sabia o significado que aquilo tinha, e olhares enviesados não a fariam parar.
998.
999.
Ela olhava os números passando ora lentamente ora rapidamente, sabia que em algum lugar do mundo um indivíduo seria o responsável por abrir a sua câmara de euforia. Novamente ela atualizou a página.
OH MEU DEUS. Lá estava ele, reluzente. O visitante número 1000 de seu blog.
Seu rosto antes rígido, relaxou e foi tomado por um enorme sorriso de satisfação.
Tanto tempo em 999, agora em 1000. Ela riu ao perceber que nesse momento passou para 1002.


Um visitante. Um número. Ela foi para escola primária onde trabalhava cheia de contentamento. Ao chegar perguntou as crianças, para elas, qual era o número mais significativo que existia.
Todos os rostos pequenos se enrugaram para se concentrar e pensar no maior número que conheciam. Uma menina esperta de mil. Um menino disse três trilhões. Todos o olharam espantado, aquele número era indecifrável para essas pequenas crianças. Para elas esse era o maior número do mundo. A professora foi para casa, pensando na resposta das crianças e riu consigo.
Para ela o número de maior expressão era o 1. O número um. O que dizer da diferença que um minuto de acréssimo faz em um jogo de futebol. Ou um segundo de diferença entre o vencedor e os perdedores faz em uma competição de natação. O número que mais muda vidas é o um.
Quando temos muitos, eles se misturam, se fundem e simplesmente se apagam. Quando temos apenas um, ele reluz, é o centro o mais importante, a esperança.

Até o número 999 ela tinha estado tensa a esperar por apenas mais um número. Apenas um. Como se esperar trezentos números não fosse de grande importancia. Os números em contexto são muito fracos, como se facilmente pudessemos alcansá-los. O número um sozinho, fica grandioso, e intimidador. Se torna o número mais significativo que existe.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Escritores

A campainha tocou me tirando do castelo maravilhoso que eu estava. Bem na hora que o mocinho chegaria e livraria a mocinha do sequestrador. Bem, como eu não tinha mesmo escolha, fui atender a porta.
- Quem seria?
- Censo!
Claro estava na época do censo e é comum que o agente do IBGE bata à nossa porta para fazer perguntas torcendo que nós tenhamos o bom-senso de responder verdadeiramente.
Abri a porta.
- Ah oi.
- Poderia fazer algumas perguntas a senhora?
Pensei na mocinha que continuava nas garras do sequestrador e não sairia de lá até que eu fosse salvá-la. Mas também passou pela minha cabeça que nós temos que fazer o que pudermos para ajudar nosso país a continuar crescendo então disse ao moço gordo, com macacão azul marinho desbotado, segurando um computador de mão para que fizesse as perguntas
- Nome?
- Elena Dias Conceição.
- Idade?
- 42 anos - muito bem escondidos atrás de tratamentos de pele que custavam uma fortuna mas ele não precisava saber disso.
- Profissão?
- Sou escritora.
Com isso eu atraí a atenção dele.
- Hum, que legal, minha filha é bibliotecária. A mais velha porque a mais nova está terminando seus estudos e a do meio está prestando vestibular, mas não se decidiu ainda, vê se pode... Então- ele deu uma olhada no meu nome- não conheço nenhum livro seu...senhora Elena...
- Na verdade nunca publiquei nenhum...
- E como a senhora pode se dizer escritora?


O resto da história vai ser uma narrativa sem falas, se não se importam.


Está no dicionário:
escritor: Autor de obras literárias ou científicas (com relação ao estilo, à forma que emprega).
Em nenhum momento diz que escritor precisa publicar algo para virar escritor. Como uma taxa que se tenha que pagar para mudar de estrada. 
Escritor é aquele que escreve. Aquele que se doa para uma história e aquele que faz ela acontecer. O escritor é responsável por muitas vidas inventadas e cuida delas com o carinho que se cuida de uma criança, tomando conta para que ela evolua e seja bem aceita. Para que ela cresça, amadureça e dê bons frutos. O escritor é um ser que vive inúmeras vidas, que PODE viver inúmeras vidas. E é ele que dita o rumo destas, com rabiscar de lápis muda o sentido de toda uma civilização que só vive enquanto o livro está aberto. 
Publicar uma obra é consequência, antes disto, tem que escrever, e já nesta fase, torna-se um escritor. 


Bruna, muito prazer, escritora.  

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

romance

- Ana Gabriella, eu estou ultra apaixonado por você. Não importa o que você diga ou pense, nada vai mudar! Mas infelizmente não importa também o que eu diga ou pense, seu amor por sua família se mostra inexorável. E você estando comigo, seria como se os tivesse traindo.

Se eu tivesse narrando em primeira pessoa seria mais ou menos assim:  minha boca secou como se toda a umidade do mundo tivesse acabado. Tudo o que eu quis ouvir desde sempre foi dito de forma tão rude. Mas nem a sutileza faria o que foi dito ser ainda mais perfeito e a parte do ''ultra apaixonado por você'' martelou na minha cabeça tantas vezes quando foi possível ouvir. Depois as palavras ficaram de um jeito disforme como acontece quando são ditas muitas vezes.  Depois as palavras foram voando, planando na minha mente, até que não era mais possível ouvi-las. Mas era perfeitamente possível senti-las. Como uma cosquinha que me faziam querer rir. E sorrir. Então eu sorri, e foi como se eu fosse sorrir pra sempre. Afinal, agora minha mente bloqueava todos os motivos para não sorrir. Como se o sorriso fosse uma grande ilha, que deixasse as palavras presas para elas não pudessem mais sair e ficarem lá, só me lembrando qe realmente aconteceu. As palavras que ele disse estavam grudadas no meu sorriso.


Mas como eu não estava narrando em primeira pessoa apenas:


E ela disse:
- Eu te amo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O encontro do português com a matemática

As pessoas se dividem em dois grupos: As que gostam de português e as que preferem matemática.
As que gostam de português são mais leves, gostam de fantasiar as histórias, e se for a própria história então, melhor ainda. Elas nunca estão perfeitamente conectadas e são facilmente apaixonáveis. Olham o lado abstrato da coisa e aquele detalhe que ninguém percebe, são elas que reparam. São romancistas natas e seguem sempre a segunda opção.
As que gostam de matemática são diretas, concentradas. Tem uma percepção curta mas um raciocínio abrangente. Preferem as coisas palpáveis àquelas subjetivas e tem os pés absolutamente presos no chão. Porém são menos sentimentalistas e com isso conseguem um controle maior da situação. Controle esse que as pessoas que gostam de português não fazem questão.
 Afinal, pra que serve ter controle quando esse controle é dividido entre outras pessoas. Controlar, o ar que está em sua volta, sabendo que a partir do momento que ele está a volta do outro ele já não está mais sujeito aos seus domínios é valido?
Falando agora em cores e cenários, eu vejo as pessoas do português ( tudo bem pra vocês se eu chamá-las assim?) num tom entre o amarelo o vermelho e o alaranjado, com bastante sol de fim de tarde, aquele sol redondo e tostante.
As pessoas da matemática vejo rodeadas de azuis. Azul acinzentado, azul profundo, azul anil. Em um mar, um mar cristalino, transparente, sendo banhadas pelos primeiros raios de sol do dia. Aquele sol leve, quase frio.
Imagine então que duas pessoas vão à um encontro. A mulher amante da matemática. O homem admirador do português. Depois do jantar eles vão para suas respectivas casas e são interrogados pelos amigos:
- E então, como foi, querida?
- Foi ótimo.
- Conta mais. Ele é cavalheiro?
- Sim. Abriu a porta do carro para mim, afastou a cadeira para eu sentar e fez questão de pagar a conta.
- Como ele estava vestido?
- Camisa social azul cinza de riscas de giz, calça preta e sapatos pretos.
- O que vocês pediram?
- Yakisoba com molho adicional, biscoitos e rolinho primavera. Terceiro item da página três do cardápio.
- Você está apaixonada?
- Não poderia estar mais.

- E então, como foi, cara?
- Foi esplêndido, muito melhor do que eu imaginava. E pensar que eu já sabia que seria muito bom. Como não ser não é? Superar minhas expectativas foi o que ela mais fez, e em todos os aspectos. Ela abrilhantou minha noite.
- Fala mais! Você foi cavalheiro?
- É o que eu realmente espero ter sido. Afinal, olhei nos seus olhos por todos os minutos. Impossível não olhar! Aqueles olhos penetrantes e negros como a mais calada noite requerem atenção. Também segurei sua mão. Mas isso não foi por puro desejo. Foi mais que isso. Foi necessidade, como não estar em contato com uma pele tão doce? Não via modo.
- Como ela estava vestida?
- Lindamente. E ela sabia disso. Seu corpo estava bem guardado em um vestido leve e de cores fortes. Combinava tanto com sua personalidade que eu acho que foi feito especialmente para ela. Aquele vestido a fazia cintilar.
- O que vocês pediram?
- Comida chinesa. Que estava uma delícia por sinal. Não me contive e elogiei o chefe, afinal, sua comida embalou minha noite.
- Você está apaixonado?
- Não poderia estar mais.

Perceberam a sutil diferença?
Mas acho que perceberam também que por mais diferente que sejam, quando se unem, viram um só.