terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Raios

 -RAIOS!

- O que disse mamãe lá embaixo?
- Raios!
- Raios o que?
- Foi o que ela disse, oras!
- Não sabia que estava a chover.
- E não está mesmo! Vai ver é na novela
- Está a chover na novela?
- Não!
- Então porque mamãe...
- Raios, pateta. De minha nossa, puxa vida!
-  Raios de que?
- Apenas esqueça, é a sua vez de jogar.
- Pois eu já joguei!
- Juro que não lhe vi mover uma peça sequer!
- Mas eu o fiz! Você que estava distraído a pensar no que mamãe disse.
- Porque você o perguntou.
- E eu não sei?! 
- Tanto é que você não jogou que o dado continua na mesma casa que eu deixei.
- Impressão sua! Joguei e pronto!
- Queres agora robar de mim no jogo? Sabe que sempre venço-te no tabuleiro!
- Ah! Agora estás a imaginar coisas... Sou eu quem sempre ganho e você fica choramingando.
- Não fico não!
-Fica sim!
- Mentira sua!

- Não acredito que Cleide desistiu de casar justo no último capítulo!
- Novela é uma coisa muito da falsa Querida... Não devia gastar tempo com isso. Agora deixa eu ouvir meu jogo
- Não mais falsa do que esporte!
- Pois o que o esporte tem de falso Cleide?
- AH, até parece que você é recém nacido e não sabe que isso tudo é programado!
- Que programado o que Cleide! O esporte é límpido, claro!
- Se você quiser pensar assim...
- Sim!
-Então pense!
- ORAS!

- Que foi que o papai disse lá em baixo?
- Oras!
- Faltam dez para as oito.
- Não quero saber as horas.
- Então porque perguntou?
- Não perguntei! Foi o papai !
- Papai quer saber as horas?
- Não. Ele apenas disse oras!
- Então porque...
- Oras! Oras de minha nossa, puxa vida! Esqueça apenas jogue!
- É sua vez. Eu já joguei.
- Não acho que você tenha jogado...

a máquina de lavar

''Oh,'' a mãe se lamentava '' porque eu deixei-a ir tão rápido? Sem nem contestar?'' Eram os costumes, ela pensava. Afinal, estava certo, as moças que saiam muito tarde da casa da mãe para casar, eram consideradas desqualificadas. Um arrepio percorria sua espinha ao pensar em sua filha como desqualificada. Oh, não, Marieta era cheia de dotes e por isso arrumou um marido tão apaixonado por ela. 
Mas não se pode negar a falta que ela faz naquela casa, Marieta é a mais velha e sempre serviu de espelho para suas irmãs. Sua bondade sem igual se equiparava à sua simpatia e devoção. 
Devoção. A quem quer que fosse, por isso ela fez tanto a vontade de seu marido ao acompanha-lo em sua mudança para o Egito.
E deixou toda a sua família para trás pela sua devoção a um marido que ela mal conhecia.
- Deixa dessa angústia mamãe! Marieta fez bem. O seu noivo é rico e bem sucedido. Além do mais... Que Deus me castigue se eu tiver olhando com olhos de cobiça para o noivo de minha irmã... Mas que homem, mamãe! Que homem ! - e Pedrina saia bailando pelas escadarias da casa.
Marieta lhes escrevia todas as quintas-feiras. Era quando o seu noivo tinha que viajar às Índias para trazer as iguarias com que ele trabalha. A carta só chegava aos sábados. E toda sexta-feira uma angústia pairava ao redor do quarto da mãe de Marieta. D. Lizaura, sempre desconfiava que um dia a notícia da separação antes mesmo do casamento chegaria e ai ela poderia dizer tudo o que sempre pensou do noivo de Marieta. '' Um traste que tirou sua filha mais velha de casa, para levá-la para sei lá onde!''
E mais um sábado amanheceu, esse desta vez, anuviado e com cara de terça. As terças sempre são anuviadas, não há o que contestar. 
- Carta de Marieta! - D. Lizaura tomou-a da mão de Pedrina antes mesmo que ela pudesse abrir. Mãe é mãe e sente quando alguma coisa está pra acontecer. 
A carta de Marieta era curta desta vez.

'' Queridas mãe e irmãs, 
Não posso escrever-lhes muito, pois ando por demais atarefada com os preparativos. Mamãe, se carta tivesse sentimento essa seria apenas sorrisos. O grande acontecimento está para chegar e eu finalmente vou ser esposa de Serafim. Minha alegria não cabe em mim e Deus é bom por me permitir dividi-la com ele. Espero que uma fração dela também passe ao coração de vocês! 
           Marieta''
As meninas, por terem mais instrução, leram a carta mais rápido e saíram pela rua cantarolando que finalmente teriam um cunhado. 
Quando D. Lizaura finalmente acabou de ler a carta, teve um espasmo. Levantou e sentou algumas vezes, e só depois é que permitiu que as lágrimas caíssem em seu rosto.
'' Oh. Como pude ser tão burra e cega? A dor de estar longe de uma filha me fez esquecer que ela poderia sim estar feliz. E nessa carta percebo toda o seu júbilo! Marieta vai se casar! MARIETA VAI SE CASAR!''
Ela foi ao centro com as filhas mais novas para comprar tecidos para seu vestido. Afinal, elas teriam que ser as mais lindas do casório, depois de Marieta é claro, ela sim, seria a rainha da noite!
- Quero algo alaranjado! Com rendas na barra e com a cintura marcada. 
- Eu quero um azul anil. Comprido e brilhante!
- Bom para vocês. o meu será de renda francesa com uma luva e um majestoso chapéu. 
Comprado todos os tecidos a mãe foi para casa trabalhar em sua máquina de costura até os vestidos estarem completos. Ela não percebeu, mas madrugou ali. Tudo com a promessa de se redimir para si mesma das más coisas que ela falou de Serafim. Afinal, ele estava realmente fazendo Marieta feliz e era só isso que importava. 
A semana virou e no sábado chegou outra carta de Marieta. Tão curta quanto a anterior. Mas igualmente alegre. 
'' Queridas irmãs e mãe, 
Aqui segue a lista de presentes. Os padrinhos já deram grande parte. Para vocês sobrou a máquina de lavar. 
Não vejo a hora mamãe! Não vejo a hora!!
      Marieta. ''
- Padrinhos?! Então ela já escolheu os padrinhos?
- E não NOS escolheu?
A mãe estava tão atordoada quanto as suas filhas. Mas a promessa que ela lhe fizera ainda estava valendo e tudo que tivesse ao seu alcance ela faria para deixar a filha ainda mais feliz. A escolha dos padrinhos e madrinhas e exclusivamente dos noivos e não era certo tampouco justo questionar uma coisa dessas num momento desses!

Passaram-se umas semanas e em nenhum sábado chegava o convite para o casamento. D. Lizaura resolveu agir e deixar a ansiedade de lado:
- Meninas vamos ao centro. Temos que comprar a mais bela máquina de lavar para Marieta. 
E foram.
Andando pelas lojas viram muitas ofertas, mas nenhuma superou a da Lojas Cardoso em beleza. 
- Ela é cara à beça, mamãe!
- Não me importo! Tenho uma dívida com sua irmã. Minha boca proferiu palavras rudes pelas suas costas e minha mente flutuou em más correntezas a respeito do seu marido. 
As meninas assentiram e voltaram para casa com a lavadora comprada. Chegando lá. Uma carta estava repousando na caixa de cartas.
'' Minhas amadas mãe e irmãs!
     O casamento foi impecável e inigualável! O mais bonito do Egito segundo os cerimonialistas. Estava tudo tão leve belo e branco que minhas lágrimas se confundiam com sorrisos. Imagine só a surpresa que Serafim me fez: quando disse o 'sim' caíram pétalas de rosas cor-de-chá sobre nós. Os convidados ficaram à beira de um choro convulsivo quando dançamos a valsa. Foi tudo tão lindo mamãe! Estou em lua de mel no Marrocos e minha alegria passa quase despercebida se comparada ao estado de Serafim. Ele está exultante!
    Marieta''

- Casou?
- Casou!
- Como pode ter casado?

A mãe subiu para sua sala de costura. Seu tamanco batia contra as tábuas do chão com tamanha força que faziam um barulho ensurdecedor. Chegou no pequeno quarto e se deparou com os vestidos majestosos nos cabides. Atirou-os para o chão, pisou, molhou-os por horas com suas lágrimas de angústia e de traição. Por fim, rasgou-os. Mas não muito. '' Marieta ainda tem que saber que isso é um vestido''  
- Meninas vou ao correio. Chame Alfredo para carregar a máquina de lavar para mim!
- Mamãe não acredito que ainda vai dar a máquina de lavar àquela que nos traiu e provocou tamanho desgosto em vós! 
- Faça o que eu mando! - D. Lizaura saiu pela porta com Alfredo em seus calcanhares carregando a majestosa máquina. 


Marieta e Serafim chegaram de viajem rindo e contando casos. A mulher nos braços do homem. O pensamento nem beirava a sua família. 
- Senhor Serafim, Dama Marieta. Chegou uma encomenda da América para vocês.
- É possível que seja minhas iguarias ou algum novo tipo de conservação para tais. 
- Perdão senhor. Mas na verdade, estão destinadas à Dama Marieta. 
- À mim? Da América? 
- Precisamente Dama. 
- Só pode ser de tua família Marieta. 
- Oh, mais é claro ! Como não?! Deixe-me abrir. 
Marieta se ajoelhou no chão e abriu a caixa dos correios, a máquina de lavar estava fora de sua caixa original. 
- Olhe marido! Que coisa graciosa minha mãe e irmãs mandaram. 
- É realmente muito bela Marieta...
- Olhe dentro! Tem uma... Uma coisa.. 
Marieta pegou os panos de dentro da máquina e traduziu-os:
 Um vestido alaranjado com renda na borda e cintura marcada. Um azul anil comprido e brilhante. Um de renda francesa com luvas e um majestoso chapéu.