quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ser-te



Eu sentia seu caminhar nas ruas. Ouvia seu cheiro. Tinha certeza que você colocava toda a sua esperteza nas mais simples ações. O modo como você puxava o ar, como se ele fosse tão dispensável quanto os paralelepípedos da rua da frente... Esnobava tudo, mesmo o que lhe era vital. Sua própria existência não estava atrelada a nada que pudesse se esvair. Você era inteira.
                A mim nunca reservou uma palavra, ainda assim me detinha como sendo seu. Participava de todos os meus planos, de todos os meus sonhos. Não era, porém, meu par, uma vez que já me era inteiro em si. E eu era levado, como as espumas que boiam inconscientes na crista das ondas, não parecem ter escolha, participam do espetáculo em que figuram. Todavia, a obrigação de estar naquele cenário não faz com que pareçam menos satisfeitas. Assim estou eu, perfeitamente confortável com minha condição de existir para não ser e sim para assistir-te.
                É assim em qualquer lugar, sob qualquer circunstância. Não luto mais contra a influência que seu existir tem sobre mim, apenas aguardo. Já é algo tão concreto que me constrói, corrói, destrói. Não sei mais. Só sei que é certo. Tão certo.
               
                

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Fotografias

Dou a última conferida da lista de compras: pão, ovos, mel, iogurte, sabão em pó, carne moída e comida do gato. Tudo estava em ordem. Pensei em Celeste em casa aquecendo o feijão pra mim, as filas dos caixas estavam bem grandes. Como pode um estabelecimento querer prosperar sem investir em mais caixas para deixar o cliente satisfeito e reduzir o tempo de espera nas filas?
Escolhi um caixa que mais me convinha: poucos volumes em carrinhos comandados por homens. Homens em geral não gostam de esperar muito em filas, em mercados ou em qualquer lugar que não envolvam um copo gelado de cerveja, naturalmente eles tentam o máximo para se livrar logo do sacrifício (naturalmente imposto pelas esposas) facilitando o troco e jogando sem critério nenhum os mantimentos que estavam em seu carrinho na esteira do caixa. Era a fila com mais probabilidade de ser ágil, portanto. 
Como se tivesse posto o pé no acelerador, empurrei meu carrinho a toda força até praticamente encostar no tornozelo do rapaz na minha frente. Em minha corrida não percebi que tinha um oponente. UMA oponente na verdade. Uma moça já idosa chegou com o carrinho quase ao mesmo tempo que eu na fila bendita. As câmeras de segurança poderiam facilmente comprovar a minha vitória e um replay seria-me utilíssimo. A mulher não questionou meu posicionamento a sua frente. Eu porém, como bom cavalheiro ofereci meu lugar para ela, mesmo de má vontade e mesmo torcendo para que ela use o bom censo:
- Ah, claro obrigada. - ela já estava colocando seu carrinho em um lugar muito mais oportuno na fila quando me dei conta da situação. 
A mocinha ficaria a minha frente, no lugar que eu tanto lutara para conseguir. 
- Como é que é? A senhora aceita minha oferta de furar fila?
- Na verdade não qualificaria meu ato como furar fila, uma vez que o senhor mesmo ofereceu seu lugar para mim. Afinal, já tenho idade de ser preferencial- a velhinha sorriu e como se tivesse entendido meu comentário como uma brincadeira deu a volta por mim e, na minha frente, já começou a colocar seus litros de óleo, cenoura, leite e coentro na esteira.
Ora onde já se viu?! Nesse mundo tão carente de recursos e respeito ao próximo ainda há pessoas que aceitam o lugar na fila. Aproveitando-se de ser tratado com certo privilégio da idade avançada, se apoia nisso para passar a perna nos outros e atrasar a vida de pessoas de bem, que jamais fariam qualquer menção a violência ou ao desrespeito. Assim esse país não vai pra frente, tal como o mercado com falta de caixas. 


~Aliviada com o tempo na fila reduzido a mulher pensava para si mesma: Ainda bem que mesmo nesse mundo tão carente de recursos e respeito ao próximo, ainda há valores que não se dispersam, como ceder lugar na fila para uma velha senhora. São esses cidadãos que tem ainda uma cabeça boa e caráter indubitável que me garantem que esse país vai pra frente, tal como esse mercado, reduto de pessoas de bem.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Quases


                O “quase” é um desejo de causar ciúme. Querendo ser inteiro por orgulho e, ao mesmo tempo, ansiando ser vazio por pirraça. O quase é um gosto sem cor ou uma cor sem gosto, incompleta, mas que pode satisfazer aqueles menos exigentes, indecisos ou os indiferentes.
                O quase amor beira o desamor, mas tem a vontade de beijos intermináveis e é tão dolorido quanto o quase ódio que não é audacioso o suficiente para acontecer, a não ser no limiar das entranhas. Quase-querer-ser é não ser e ponto. Quase-querer-não-ser é estar na dúvida, titubeando, ponderando sobre a realização das expectativas que não estão nem ai para facilitar sua vida.
                Aposto que quem inventou o “quase” estava grávido em alma e, dessa forma, inconstante. No sexo, o quase é prejuízo prazeroso enquanto na morte o quase é um gozo doloroso.
                O “quase” nunca está no meio, ele sempre pesa para um lado. Mas qual o lado que ele vai pesar é uma variável, já que depende do dia. Estando sol, ele paira para um lado, chovendo para o outro. É uma questão de estática que só se pode entender estando na dúvida.
                Não há ambiguidade: o “quase” leva tranquilidade para o locutor e desequilíbrio para o interlocutor, que, sem saber o que esperar, desiste da certeza e escolhe o que mais lhe convém. Uma questão de liberdade oculta, um “você escolhe no que acreditar” dito indiretamente para não demonstrar a camaradagem entre os falantes. O quase sempre se realiza nunca e nunca se realiza sempre.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Imperialismo


É interessante pensar que não precisava ser assim. A necessidade de dominar se sobrepujou ao dito intercâmbio de saberes que deveria acontecer com tamanho choque de culturas. Foi assim com o reconhecimento do Brasil pelos portugueses. Digo reconhecimento pois os nativos já aqui haviam chegado e, inclusive, eram os donos por direitos de cada pedaço de terra delimitado pelas fronteiras brasileiras. Não foi o que aconteceu.
                Quando uma caravela adentrou em mares brasileiros, logo disseram “Terra à vista!”. Mais tarde descobriram que não só terra estava à vista, mas também um povo estava diante dos olhos europeus. Povo esse que foi sufocado pelo brilho das armas e panos das roupas europeias que até então faziam parte do desconhecido para os detentores da mata. Sua mata foi explorada, sua cultura erradicada, seus bens tomados, sem razão e de maneira absolutamente injusta.
                Os portugueses diziam que a cultura indígena é inferior. Como se pode dizer que um povo que sobrevive em harmonia com a natureza e não a destrói é inferior? Como dizer que um povo que sobreviveu sem quaisquer ajuda da mais remota que fosse tecnologia merece ser minimizado? Os donos da terra sofreram com o egocentrismo equivocado europeu.
                Até os dias de hoje, o imperialismo rege a sociedade e sempre uma cultura sofre pressão de outra. Só queria pensar que seria diferente e os índios tivessem permanecido em seu lugar. Hoje estaríamos vestindo roupas diferentes, falando línguas diferentes e tendo um orgulho inédito de ser brasileiro.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

voláteis e volúveis

Distância, tempo, palavras, ações, . Tudo isso são estradas, estradas com uma enormidade de tamanho, que estão sempre migrando, sem lugar fixo. Quando você menos espera, uma dessas estradas se prostra exatamente entre você e mais alguém e pronto! É o suficiente para essa pessoa virar uma lembrança, uma memória, um passado até. Sua missão de vida: impedir ao máximo que estas estradas se formem na sua frente pois uma vez que elas surgem, é difícil arrancá-las. Abraços, sorrisos e tardes ensolaradas, um olhar que mostre confiança são o remédio mais preciso que se pode arrumar.

As pessoas são voláteis e volúveis, para impedir que elas se vão e virem nuvem, é preciso guardá-las num frasco. Um frasco vermelho, que pulsa ritmadamente, um fraco que contém e leva a vida.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Papel ouvinte

                Decidi que eu falo demais, e isso, não é de tudo, bom. Não falo na verdade para as outras pessoas ouvirem, falo mais para eu ouvir minha voz no ar, deslizando sobre as partículas, como se, quando proferidas elas se tornem finalmente reais.
                Quando falo, tenho a impressão de que é a consumação de que tal coisa de verdade aconteceu. Que realmente eu realmente vivi tais aventuras, que eu realmente senti tais sentimentos, e eu realmente estava lá, e adivinhe só! ISSO ACONTECEU.
                Se a vida fosse um baú, ninguém precisaria contar nada. Todas as experiências seriam guardadas para aqueles que as protagonizaram, e eu imagino, o quão sem cor seria o mundo, seria amarelado, com aspecto de mofado e guardado, assim como as memórias. Mas não! Quando vivemos descobrimos que a vida é colorida, e merece ser contada. Narrada. Narrada para tornar tudo real.
                Mas, mesmo tendo todas essas certezas eu não posso sair por ai, contando todas as minhas experiências para quem estiver de ouvido atento ouvir. Infelizmente, algumas pessoas não podem, querem ou merecem serem ouvintes de nossas vidas. Mas, um pedaço de papel sempre está disposto a ser seu interlocutor.
                Então, eu tenho propriedade para falar, que quando no papel, as palavras são gritadas e vividas e o enredo que estamos desenvolvendo se torna finalmente real, sem dúvidas real, simplesmente real.

terça-feira, 31 de maio de 2011

O título que vai ser superado em breve

Eu realmente não ligo. Se as minhas opiniões são ignoradas, ou minhas vontades nunca atendidas. Afinal, deve acontecer com todo mundo: você pensa que seu potencial começa a ser explorado, que as pessoas começaram a perceber que você quer e pode ser útil para alguma coisa. Então você é escolhido. Ah! Sente-se tão bem e valorizada. Incrível. Estar sendo útil  para alguma coisa.

Mas então não era isso, tem sempre alguém melhor do que você, em tudo. E temos que tentar nos superar? Porque? Se sempre vai vir alguém  e tomar seu lugar. Grande sentido !
Não me interesso mais em ser boa, em ser melhor ou nem mesmo em existir mais do que fisicamente.